Série: Somos Batistas
Esta Série tem o objetivo de relacionar um pouco de nossa história com a nossa identificação denominacional, levando em consideração que as principais marcas definidoras dos batistas estão na construção histórica dos seus princípios fundamentais.
1. Batismo e Liberdade de Consciência
Quando olhamos a diversidade das Igrejas Batistas no Brasil e no
mundo, podemos perceber que somos muito diferentes, mas guardamos a séculos uma
certa “identidade denominacional”. Mas, onde reside essa identidade? Nossa principal
identificação não está em nossos costumes, práticas litúrgicas, ou em nossa
forma de organização. Somos quem somos porque mantemos alguns “princípios”
fundamentais durante todo esse tempo. O problema é que alguns confundem
práticas tradicionais com princípios. Gostaria, nesta breve reflexão chamar a
atenção para a questão de como nossos princípios foram construídos
historicamente.
Não pretendo falar sobre todos os princípios contidos em nosso
documento denominacional, mas, aqui, falarei apenas daquele relacionado aos primeiros
cristãos batistas da Modernidade que deu nome a nossa denominação: o princípio da liberdade de consciência e do
batismo somente após a profissão de fé.
Podemos dizer que a história dos batistas começa no início do
século XVII na Inglaterra e Holanda, quando grupos separatistas começam a
sofrer uma perseguição religiosa devido as suas convicções.
Durante todo o século XVII, a Inglaterra sofreu várias transformações em sua
sociedade, marcada pela ambiguidade das tradição e das inovações no âmbito da política (relação
entre governo e sociedade). No que se refere às questões religiosas, o cenário é
um contexto de conflitos entre a Igreja Anglicana (Igreja Oficial), os
Católicos, os Puritanos e os Separatistas.
Para melhor entendermos esse
momento, é importante considerar a força da religião na legitimação e no
entendimento sobre o mundo e as relações entre os o Governo e a Sociedade. Ou
seja, “Deus”(a religião) estava no meio de tudo, então quem “controla Deus” (a religião) controla os
outros. portanto, havia uma Igreja que legitimava a Monarquia e o governo
absolutista na Inglaterra (a Igreja Anglicana) e vários grupos que revindicavam liberdades para professar sua fé. Assim, no contexto político e social, a Igreja Anglicana tinha a função de manter o status quo.
No entanto, grupos de dentro da própria Igreja viam uma perda
crescente na devoção e na vida como cristãos, esses grupos buscavam uma
renovação moral, espiritual e até estrutural na Igreja Anglicana. Estes, foram
chamados de puritanos, pois buscavam
viver a pureza moral, espiritual e social do evangelho de Cristo. Outro grupo,
foi além das tentativas de reformar a Igreja oficial, promovendo
separações e fundando novas instituições, esses são os separatistas, de onde vieram grupos como os congregacionais, metodistas, e nós batistas, dentre outros. O movimento separatista não foi algo
uniforme e centralizado, mas refletiu um contexto de inovações nas
relações entre a sociedade. Um dos principais problemas nesse período foi a
perseguição da Monarquia por questões religiosas. Assim católicos, puritanos, separatistas e
outros, eram perseguidos, pois o governo queria controlar a religião, devido a
sua função estratégica na legitimação e manutenção dos valores que sustentam a
Monarquia.
Claro que essa contextualização é geral e simplificada, pois
queremos apenas salientar que havia um espírito de mudança na sociedade
inglesa, principalmente no que se refere a “liberdade religiosa”. Nesse
contexto surgem os separatistas e dentre eles os batistas, reivindicando o
batismo somente depois da profissão de fé. O que significa isso? Vamos lá.
Quando John Smyth começa a pregar esse principio, por volta de 1606, o que está
por trás é a ideia de liberdade de consciência, ou seja, cada individuo tem o
direito de decidir livremente qual religião deseja seguir. Assim, o batismo
infantil deveria ser abolido, pois a Igreja deveria ser composta por pessoas
que escolheram fazer parte dela. Com esse e outros pontos de vistas divergentes do defendido pela Igreja oficial, Smyth foi perseguido e foge para Amsterdã,
onde funda uma Igreja com a ajuda de Thomas Helwys, em 1610. Essa Igreja “rebatiza”
todos os seus membros, mas logo é dispersa com a morte de Smyth e com o retorno
de Helwys à Inglaterra. De volta a sua terra, o segundo pastor batista da
história (teoricamente) funda a primeira Igreja chamada de Batista, em
solo inglês, em 1612.
Somando-se ao coro dos que defendiam as “liberdades
individuais do homem”, Helwys escreve um manifesto que é publicado em 1613,
onde critica as condenações de caráter religioso e declara: “...a religião do homem está entre Deus e eles:
o Rei não tem que responder por ela e nem pode o rei ser juiz entre Deus e o
homem. Que haja, pois, heréticos, turcos ou judeus ou outros mais, não cabe ao
poder terreno puni-los de maneira nenhuma.” (PEREIRA, 2001: p.51). Por ter
escrito esse livro : “Uma Breve
Declaração sobre o Ministério da Iniquidade” o pastor é preso e morre na
prisão em 1615.
Essa breve reflexão sobre a razão pela qual somos chamados de
batistas, revela que nossa principal identificação está relacionada com o valor
de liberdade construída e conquistada em um momento de lutas e perseguições
religiosas. Pois, durante quase todo o século XVII, as perseguições religiosas
assolaram o solo inglês fazendo com que milhares de batistas, congregacionais,
e outros separatistas migrassem para as colônias inglesas na América na
expectativa de ser “uma nova terra prometida”. Mas isso fica para outro
momento. Por hora, não podemos esquecer que nossa primeira identificação está
ligada ao principio de liberdade de consciência para adesão ao corpo de Cristo
e da tolerância para com aqueles que tem outra orientação de fé.
PEREIRA, J. Reis. História
dos Batistas no Brasil. Rio de Janeiro: Juerp, 2001.
Origem dos Batistas Modernos;